segunda-feira, setembro 23, 2013

Lista de sugestões para a prática de bateria



Muitos bateristas não se sentam no seu instrumento para praticar, e sim apenas para tocar. Tocar somente o que você já sabe é divertido e pode ser ótimo para manter certas técnicas em dia, mas pouco progresso será obtido. 

Se você estiver no meio “baterístico” apenas por hobby, “progredir” no instrumento provavelmente não seja uma grande prioridade para você. Se for esse o seu caso, continue a fazer o que você está fazendo, e divirta-se. 

Por outro lado, se você quiser progredir como baterista, você terá de se concentrar. Você simplesmente não pode se sentar em seu kit de bateria de vez em quando e apenas “bater” em qualquer peça que estiver na sua frente. Você precisa ser claro em relação ao que é que precisa trabalhar, e depois aplicá-lo numa situação real.

Cada vez que pratica, você deve criar um desafio de realizar algo ainda não dominado. 

Quando você se senta em seu set de bateria você sabe o que deve praticar? Muitos bateristas não têm ideia do que eles precisam estudar para se tornarem melhores. Esta falta de informação pode matar o seu potencial no instrumento. 

Às vezes, mesmo quando sabemos o que devemos praticar, nosso treino ainda pode ser ineficaz, simplesmente por causa de uma falta de foco. 

Se você já se pegou dizendo: "Eu não sei o que praticar", ou "O que eu me esqueci de praticar hoje?", essa “lista de sugestões” lhe fará bem. Pendure-a em sua parede e escolha qual exercício que você quer trabalhar antes de começar seus estudos:

- Stick Control [combinações de mãos]
- Tocar com metrônomo
- Compassos compostos
- Controle dos dedos
- Liderar com a mão esquerda [para os destros]
- Pedal duplo
- Andamentos rápidos
- Andamentos lentos
- Agrupamentos Ímpares (3, 5, 7, 9, etc.)
- Polirritmia
- Deslocamento do de groove/modulação métrica
- Shuffles
- Perfomance de palco (girar as baquetas, etc.)
- Criar seus próprios padrões e ideias
- Padrões de acentuação
- Tercinas aplicadas na bateria toda
- Semicolcheias aplicadas na bateria toda 
- Mão esquerda e pedais
- Técnica de vassoura
- Condução com mãos alternadas no chimbal
- Solo
- Gravar a si mesmo e analisar
- Estudar os 40 rudimentos

Há provavelmente muito mais coisas para listarmos aqui, inclusive o estudo da sua própria técnica e sua “assinatura” no instrumento. Mas, lembre-se de estar trabalhando em algo novo em todos os momentos. 

O principal é – mantenha-se desafiado o tempo todo e nunca fique demasiadamente satisfeito. Esforce-se para melhorar constantemente durante cada sessão de estudos, e não diga novamente: "Eu não sei o que praticar."

Fonte: Batera

sexta-feira, setembro 13, 2013

Uma Leitura Indispensável


Por Fernando Baggio

“Se um acontecimento mais íntimo é digno de todo seu amor, é nesse acontecimento que você deve trabalhar de algum modo, sem perder muito tempo nem muito esforço para esclarecer sua posição em relação aos outros homens.”
“Cartas a um jovem poeta”, de Rainer Maria Rilke (1875-1926), Editora LP&M.

É com essa frase desse livro que tanto me inspira a ser quem sou que abro minha humilde lição sobre estilo. Como devem ter percebido em meus textos anteriores, meu caminho é sempre analítico e um tanto quanto filosófico para o que se propõe estudar. Porque, para mim, especialmente quando falamos de música como arte, como expressão, não há como não pensar assim. Você pode entender quem é pelo que vê, ouve e gosta, mas sobretudo pelo entendimento do porquê faz essas escolhas para sentir isso. Ou seja, entender o que vem antes do gostar, entender você.

Tudo isso, acredito, fez e faz surgir bateristas como Buddy Rich e Brian Blade. Sim, eles quebraram regras, conceitos e preconceitos, se posicionaram no meio em que viviam de forma ímpar. Como? Por que? Porque eles ouviram primeiro o que estava gritando dentro deles. Geniais? Sim, mas primeiramente corajosos. Porque pode ter havido muitos outros ao mesmo tempo que pensavam e sentiam coisas que poderiam ter se tornado geniais, mas não conseguiram externar isso.

Como, por exemplo, John Bonham conseguiu se destacar tanto em um grupo de rock tocando um fraseado inovador? Ele parece não copiar ninguém de seus contemporâneos, certo? Exato, no rock, principalmente! Ele tinha outras fontes também, e outras vozes em sua cabeça. E o mais importante: ele tentou! Ele ousou em experimentar! Hoje é fácil falar que ele foi um gênio. Mas quando ele surgiu, será que era tão óbvio assim?

Tony Williams com 17 anos tocando no grupo do lendário Miles Davis de uma forma totalmente diferente do resto foi aceito logo de cara? Não exatamente! Ele tinha a seu favor o fato de estar tocando com Miles Davis, que amava o seu jeito de tocar. Mas seus colegas não o abraçaram assim tão fácil. Só que ele foi em frente e mudou tudo!

Nem tudo, porém, que quebra regras, que experimenta, pode ser realmente bom, genial. Mas pode ser parte de um processo de conhecimento, aceitação e crescimento. É preciso identificar isso para também não cair em um caminho errado. Para isso é preciso em primeiro lugar deixar o ego de lado. E o ego está ligado à insegurança e ao medo. Tente entender que não precisa ser o melhor, não precisa ser um gênio para conseguir ser você. Talvez você não seja um gênio. Eu não sou, e a maioria não é. Nem muitos dos melhores músicos que conheço são geniais. São excelentes músicos, são dedicados, são trabalhadores, são até particulares, com seus estilos próprios, mas ser genial é outra coisa. Não persiga isso, pois esse não é o ponto onde se quer chegar. Não queira ser o melhor da geração, do seu grupo, ou qualquer coisa desse tipo. Seja melhor que você mesmo a cada dia! Isso basta!

Estudar os estilos de bateristas ou mesmo de músicos ajuda muito a formar o seu próprio. Para você fazer isso sem que se torne uma cópia desse ou daquele baterista, terá que sempre refletir o porquê aquele elemento na música do cara mexe com você. Você terá que ter sempre uma conversa consigo mesmo. Se entender o que naquele baterista mexe com você, então pode explorar isso no seu íntimo. No começo pode até ficar parecido com o tal baterista, mas aos poucos aquilo vai se tornando seu. E, quando perceber, transformou aquilo, fez virar seu, e nem mesmo pode se lembrar de onde veio. Parece difícil? Até é, mas pense o seguinte: se duas pessoas assistirem a um filme incrível e essas duas pessoas te contarem esse filme separadamente, com certeza cada uma delas contará com uma visão diferente. Ou seja, indivíduo é isso, é ter uma própria visão das coisas mais simples. Todos somos indivíduos, todos temos o tempo todo nossa própria visão de qualquer coisa. Ela pode até ser a mesma do outro, mas a forma como a colocamos é particular. Use isso, pois isso é personalidade, característica própria. Está no seu dia a dia, pode estar na sua música. Mas lembre-se: é importante saber do que está falando. Falar sem dominar o assunto vai torná-lo um farsante.

Vamos lá falar de alguns bateristas, suas épocas e seus estilos. Vou pegar cronologicamente alguns bateristas chave e comentar um pouco sobre o que eles transformaram. Sempre lembrando que naquele universo, naquele momento, muitos podiam até estar fazendo coisas semelhantes, eles apenas o fizeram com mais propriedade, ou com mais projeção. Vou falar aqui de 6 bateristas: Gene KrupaBuddy RichMax RoachElvin JonesTony WilliamsBrian Blade.

Veja aqui um árvore genealógica da bateria bem interessante, tirada do livro de Joachim E. Berendt (“O Jazz - Do Rag ao Rock”, Editora Perspectiva, 2007):



Gene Krupa! Um dos primeiros e o mais expressivo solista da sua geração. Tocando na orquestra de Benny Goodman, Gene realizava longos solos que colocavam o auditório abaixo. Também foi um dos primeiros a gravar bumbo em discos, já que antes se recusavam a gravar essa peça da bateria por fazer pular a agulha do sulco da matriz de cera. Seus solos concentravam rudimentos na caixa. Tinha uma técnica que até hoje poucos superaram. Explorava bastante as bordas da caixa gerando uma enorme riqueza de harmônicos. Mas em seu solo mais conhecido, “Sing, Sing, Sing”, Gene usava muito seus tambores. Ele iniciava com um ritmo no surdo, que depois usava também para o início do solo. Uma característica da época era o bumbo, que tocava as semínimas em todos os tempos, enquanto os solos se baseavam bastante em semicolcheias acentuadas e rulos. Só lembrando, o bumbo tocado em semínimas era também uma característica do comping da época.
Ouça a gravação de “Sing, Sing, Sing”.


 
Logo após Gene apareceu o grande Buddy Rich. Diga-se de passagem, pupilo de Krupa. Buddy é insuperável em seu estilo até os dias de hoje! Claro que entre um e outro tiveram muitos outros. Só para citar alguns, Jo Jones(Count Basie), Dave Tough (Tommy Dorsey) Louie Bellson (o pioneiro em bumbo duplo!), Chick WebbCozy Cole(que fez as primeiras gravações com Jelly Roll Morton), e por aí vai.
 
Mas eis que chega Mr. Rich! Esse cara foi um divisor de águas. Bob Wyatt uma vez me contou que Buddy talvez tenha sido o baterista que influenciou o instrumento da forma mais inusitada. No início todos tentaram ser como ele, fazer o que ele fazia. Na impossibilidade de reproduzi-lo, decidiram uma alternativa, um outro caminho. Sim, é isso mesmo que você leu, ele foi tão fantástico que ninguém conseguiu fazer o que ele fazia, e por isso começaram a surgir outras maneiras de tocar. Talvez, sem Buddy Rich, não existiria Max Roach! Buddy foi uma espécie de super-homem da bateria, um super atleta. Técnica perfeita e inovadora, velocidade alucinante, muita potência e precisão nos golpes, um controle técnico absurdo, capaz de tocar qualquer coisa em qualquer andamento e qualquer volume, e a sua musicalidade... Ai, ai, que musicalidade! Gênio! Um exímio solista de caixa, mas com distribuição perfeita, feroz! E seu famoso constante golpe em semicolcheias com a uma mão em altíssima velocidade. Finalizando o solo com o divertido stick trick, que são esses golpes de uma baqueta contra a outra também em semicolcheias. Buddy também era bem humorado, pelo menos em seus solos! Vale dizer que Buddy tinha família circense, o que revela muito sobre suas acrobáticas exibições. Confiram:



Como “alternativa” a Buddy Rich surgiu um jovem e inovador baterista, vindo da Carolina do Norte: Max Roach. Preciso abrir aqui um parênteses para dizer que Max foi minha primeira grande influência dentro do jazz. Ele foi a porta de saída do estilo Swing e das Big Bands, e a porta de entrada para o Bebop. Como sempre, há paralelos a todos esses bateristas que sito aqui. Nesse caso Kenny Clark foi um deles, e Phillie Jo Jones também. Mas não tenho espaço para falar de cada um, e assim vou me manter em Max.

Max foi o principal baterista do Bebop, e depois firmou uma grande parceria com Clifford Brown (trumpetista) e acabou também se tornando um ícone do Hard Bop. Tocou com inúmeros músicos, como Charlie Parker, Dizzy  Gillespie, Thelonious Monk, Clifford Brown, Miles Davis, Sonny Rollins e tantos outros. Nesse estilos, bateristas como Art BlakeyLouis Hayes e Roy Haynes foram também destacados músicos!
 
Para falar de suas características podemos começar a dizer o que de fato foi impactante: Max Roach era melódico! Se ainda hoje isso é um elemento dificílimo de desenvolver e ver bateristas com essa característica, imaginem vocês em 1940! Disse ele: “é preciso fazer com o ritmo o que Bach fez com a melodia”. Amigos, ver esse cara quando ele surgiu seria como ter visto o primeiro avião levantar voo, ou coisa parecida. Ele foi um grande compositor também. Compunha para orquestras, big band e as mais diversas formações. Assim, com essas características, você já pode imaginar o cuidado que ele tinha para afinar seu instrumento, não é? Ele explorava as alturas e intervalos dos seus tambores, bem como os timbres de pratos e harmônicos de toda a bateria. Seu solos eram recheados de espaços com uma incrível construção melódica. Ele tem faixas solos em seus discos que pode-se ouvir o tema e depois o improviso e a volta para o tema, tudo só com bateria. Ouça “Drum Conversation” (faixa do disco Deed, Not Words, de 1958).



Para entender um pouco melhor sobre essa “quebra” de corrente, vejam esse vídeo do incrível disco Rich versus Roach (1959)! Essa faixa “Sing, Sing, Sing” (olha ela aí de novo!), mostra claramente o estilo de cada um, absurdamente diferentes e igualmente geniais!



Outra sensacional característica desse mestre foi sua linguagem de jazz comping, que praticamente definiu como se faz acompanhamento no jazz pela bateria. Sua conversa entre caixa e bumbo com uma condução poderosa estabeleceu definitivamente novos rumos para o assunto. Nada poderia ser tocado diferente depois disso. Nem os antigos bateristas das big band se safaram dessa, e acabou de vez com as tais semínimas no bumbo. Creio que essa maneira de pensar o jazz comping tem muita relação com a maneira dele pensar a bateria melodicamente. Seu comping era uma conversa perfeita entre bumbo e caixa.
 
Max também começou a variar a condução (assunto que vou aprofundar em “A condução do jazz - Parte II”, não percam!). Sua incrível velocidade em conduzir coisas muito velozes – como eram as músicas do Bebop, que facilmente chegavam a 350 bpm, e algumas vezes em 400 bpms – também contribuíram para ele construir uma alternativa à condução padrão. Nesses andamentos ele também construiu um jeito interessante de jazz comping. Tornou as frases mais espaçadas, mas sem perder a ideia central. Veja o exemplo disso nesse vídeo da rapidíssima Cherokee, com Clifford Brown (Study in Brown, 1955):



Anos depois, na década de 1960, surge mais um baterista que “virou a chavinha” da ordem das coisas: Elvin Jones. É bem verdade que ele já estava aí na década de 50. Também é verdade que entre Max Roach e Elvin Jones tiveram outros grandes bateristas. Mas me propus a tratar de alguns que julgo ser muito importantes, sem desprezar os outros, apenas me concentrando nesses. E se ele já estava na década de 50, foi em 60, mais precisamente no grupo de John Coltrane, que ele se destacou.

“Rei das Tercinas”! Pode-se dizer que Elvin era de fato um exímio dominador dessa divisão. Não apenas as tercinas de colcheias, tampouco tercinas em viradas. Ele as explorou ao máximo, incorporou esse grupo de notas com diferentes figuras em sua condução, em seu comping e em seus solos. Não só fez isso como também trabalhou muito as possibilidades que as tercinas deram. Ele usou subdivisões ao extremos, usou tercinas até de semibreves, ou mínimas, semínimas, colcheias e semicolcheias. Tudo misturado e muito sofisticado.

Com seu toque pesado e sujo, seu vigor também foi uma marca! Ataques nos rides no meio de uma condução é algo muito comum de se ouvir em Elvin. Um baterista que tocava alto, sobretudo para os padrões da época. Há relatos de que o pianista McCoy Tyner tirava sangue dos dedos em noites no quarteto de Coltrane, mas nem reclamava. Era pura energia, sinergia e vigor.

Elvin trouxe também o “afro” para a bateria do jazz. Sua proximidade com as tercinas o tornou um mestre nisso. Sua levada sincopada baseada em tercinas foi uma marca. Esse seu afro também acabou influenciando sua própria condução em jazz. Repare onde Elvin acentua suas frases e perceberá que e junção desses acentos quase sempre formam tercinas de diferentes figuras. Muito importante também foi o que Elvin fez com o chimbal (pé esquerdo). Ele tornou essa parte da bateira integrante e importante em seu jazz comping, quebrando assim a função desse elemento como simples marcador dos tempos 2 e 4.

Veja a seguir três exemplos de condução e jazz comping usados por Elvin:


 
Ouçam também essa música onde tem boa parte dos elementos que falei, “A Love Supreme - Part 1: Acknowledgement”, de John Coltrane, do memorável álbum A Love Supreme (1965). Aliás, esse disco é uma aula inestimável de Elvin Jones!



Como solista, Elvin tinha um fraseado tão particular que poderia encaixar o mesmo solo em uma balada ou uma música rapidíssima. Suas divisões ternárias permitiam pensar no pulso de formas bastante diferentes. Seu toque é também bastante particular. Como disse o baterista e professor Ricardo Berti: “a gente estuda tudo certinho, a técnica de toque duplo, se preocupa com todos os detalhes, mas quando você toca algo do Elvin Jones simplesmente não soa como ele! Parece que é preciso tocar errado para soar como ele!” O Ricardo tem razão. É suja, e é linda sua técnica. Vejam esse vídeo incrível de um quarteto do Elvin. Em 8:22 ele começa a solar. Mas vê-lo acompanhar Dave Liebman também é sensacional! Não é a toa que ficou conhecido como “Drum Machine”.



Pois bem, agora falaremos daquele que para muitos é o maior, um deus: Tony Williams. Ele apareceu com 17 anos no quinteto do Miles Davis, em 1963. Mas antes disso ele tocou com nada mais nada menos que Sam Rivers, quando tinha (pasmem) 13 anos! Mas foi com Miles Davis que ele chocou a todos. O quinteto era formado por Miles Davis (trumpete), Tony Williams (bateria), Ron Carter (contra-baixo), Herbie Hancock (piano) e Wayne Shorter (sax), e os discos desse quinteto viraram o mundo do jazz de cabeça para baixo, e foi definitivo. Da mesma forma, Tony o fez com a bateria. Sua potente condução agrupava quatro, cinco notas em sequência, e seu chimbal marcava todas as semínimas. Era uma locomotiva! Seu comping não fica atrás, com frases intensas, de longas sequência de grupos de colcheias em andamentos rápidos, com uma técnica incrível, notas claras, som limpo e definido, um verdadeiro contraste com relação a Elvin Jones.

É importante perceber que, desde Elvin Jones, o jazz nesse instrumento caminha para rupturas. Com Elvin podemos observar uma quebra no pensamento rítmico, com suas tercinas e seu chimbal sendo usado como parte integrante do fraseado. Williams foi um baterista que aprofundou essa ruptura. Ele pensou a bateria definitivamente como parte do arranjo e tirou de vez esse instrumento do campo do simples acompanhamento. Se Max Roach já tratava o instrumento como melódico, Elvin propôs alternativas rítmicas, Tony veio para firmar a bateria com um novo conceito: instrumento que compõe o arranjo. Não raro vemos Tony tocar algo que completa os demais instrumentos. É bem verdade que Max Roach fez isso em seu estilo de composição orquestrada. Mas Tony fez isso em grupos de jazz bastante tradicionais (pelo menos em sua formação), como o de Miles Davis, por exemplo. Explorou ao máximo também as modulações métricas e as sobreposições de tempo (polirritmias). Tony pensava em um pulso as vezes diferente do pulso original. Elvin fez isso muito bem com as tercinas, mas Tony usou mais que tercinas. Por exemplo, como ele impunha condução em 3/4 sobre compassos de 4/4, ou 5/4 em 4/4, e por aí vai! Veja um exemplo disso na figura abaixo:


 
Vale dizer aqui que essa parceria dele com o baixista Ron Carter ensinou muito a todos da integração desses dois instrumentos. Ali eles não apenas fizeram a mesma função, mas na verdade eles mostraram a todos como podem ser complementares. É sensacional perceber como eles “conversavam” um com o outro o tempo todo. Muitas vezes Tony tocava para frente, enquanto Ron Carter conduzia para trás, ou subdividia o tempo. Esses grupos de 3 sobre 4, por exemplo, hora fazia o Tony, hora fazia o Ron! A melhor cozinha que eu já vi tocar, na minha opinião. Vejam esse impressionante vídeo dele com o Miles Davis Quintet, em 1963, ele com 17 anos. Há muito do que citei acima nesse vídeo:



Como solista, em suas variadas fases, Tony sempre apresentou solos muito bem construídos, com uma técnica limpa, uso de flans entre as mãos ou entre mãos e bumbo. Ele tinha seu famoso 1 e 1 (um golpe de mão contra um de pé), muitas vezes executado com flans. Um mestre em dinâmicas, um mestre em construção de solo, sempre com um desenvolvimento invejável: começo, meio e fim. Veja um belo exemplo:



Em 1969 ele forma seu grupo, o Lifetime, com John McLaughlin. E aí começa também sua fase de experimentações com novos ritmos e estilos. Entra na fase do Fusion em que os sintetizadores, guitarras elétricas e experimentações sonoras veem à tona. Tony pode ir ainda mais adiante com sua fusão de ritmos, pulsos, grooves, afinações, variações do seu próprio kit de bateria. Se até a década de 60 o mais comum eram os kits de bateria com a formação clássica (bumbo de 18” ou 20x14”, tom de 12x8” e surdo de 14x14”), agora era possível ver kits enormes. O rock entra também como grande influência para o jazz, e vice-versa. Tony Williams tinha um kit grande com dois toms (12” e 13”) e três surdos (14”, 16” e 18”), com um bumbo de 22”! Veja a foto:



Tony Williams se tornou uma referência maior para a bateria moderna. Ele é um elo de ligação entre o jazz tradicional e o jazz moderno, especialmente o fusionApontou o caminho para bateristas como Jack DeJohnette (o homem do fraseado lindamente livre) ou Billy Cobham, por exemplo.

Daí para frente muito aconteceu no mundo do jazz, mas não foi uma fase fácil. O fusion acabou se distanciando muito do jazz tradicional, então houve o resgate dessa tradição, especialmente pela família Marsalis. Não foi uma coisa leve. Intrigas, brigas, rupturas ocorreram nessas décadas de 1980 e 90. Com isso, pouca gente se destacou de fato. Teria o jazz morrido? Virado música da elite? Ou uma espécie de música clássica moderna? Teria o jazz finalmente esgotado seu enorme poço de criatividade?

Alheio a tudo isso estava uma rapaziada em Nova Iorque. É bem verdade que muitos deles vieram da “escola Marsalis”, mas aparentemente não se envolveram com as polêmicas e se fundiram com o seu próprio tempo. Exatamente como o jazz sempre foi: um reflexo do seu tempo. Músicos como Joshua Redman, Kenny Garrett, Kurt Rosenwinkel e muitos outros vieram com uma nova e bem fresca proposta. Talvez eu deva citar aqui a contribuição para a formação dessa geração que tiveram nomes como Herbie Hancock, Dave Holland e, especialmente, Wayne Shorter e Miles Davis. Músicos mais velhos, mas nada estacionados. Sempre propuseram o novo e incentivaram muito essa geração a fazer o seu som. Foi nesse cenário que surgiu Brian Blade.

A primeira vez que ouvi Brian Blade, tive a sensação de ter sido congelado por pelo menos 50 anos e quando acordei me deparei com isso. Eu podia explicar tudo sobre Tony Williams, Elvin Jones, Jack DeJohnette, mas não tinha a menor ideia da linha de raciocínio que Blade seguia. Assustador e muito, muito inspirador. Então, um belo dia vou eu assistir ao show do Wayne Shorter Quartet com Brian Blade e mais Danilo Perez (piano) e John Patitucci (baixo). Quando acabou o show, fiquei sentado na cadeira por uns 20 minutos totalmente anestesiado. Sabia que estava vendo “o novo” na minha frente, o futuro. Era como ver a maçã de Newton. Não só pela maneira como tocava Brian Blade, mas por toda a música ali apresentada. Para mim foi a mais pura sinergia e entrega que pude presenciar em um show. Não havia um elemento, não havia nada para destacar individualmente, havia o som na sua forma mais plena. Mr. Blade tocava muito, tocava pouco, ou mesmo não tocava, mas estava sempre tão conectado com o som, tão inserido naquilo, que o todo parecia como uma grande aura de luz sonora. Fiquei chocado, e nada do que eu escreva aqui vai faze-los entender o que senti.

Não preciso dizer que aquilo mudou de vez minha vida, meus pensamentos musicais, minha filosofia como músico e artista. Ali, naquela noite, me encontrei, me achei como músico, sabia o que queria. Ao mesmo tempo, sabia o tamanho do problema que tinha arrumado para mim. Sim, eu encontrei minha verdade e iria começar ali minha jornada atrás dela, ou para alcançar a linguagem necessária que precisava para externar o que sentia com aquele som, ou para encontrar parceiros com quem pudesse fazer esse som (algo muito sério e importante para você desenvolver quem você é). Não foi e não é tarefa fácil, mas cá estou muito feliz em ter me encontrado.

Experimente um pouco disso:



E o Brian, o que vai falar dele? Ou vai falar só de você? Amigo, o Brian está aí ainda criando ou co-criando sua própria realidade. Infelizmente, todos os outros que citei aqui já não fazem mais parte desse plano terreno em que vivemos. Mas Brian faz! E o que quero dizer sobre ele é o que ele causou em mim, minha busca em entender ele resultou em toda a minha filosofia como músico. Eu não toco como ele, mas ele me ensinou a ser eu. Ele de fato se expressa através do seu instrumento, e faz isso fora de todas as regras estabelecidas. Não tem as obrigações que os bateristas têm. Mudou tudo, quebrou tudo e, pelo menos para mim, clareou tudo. Inclusive deixando todas as demais páginas da história futura para serem escritas da maneira que qualquer um achar melhor.

É isso, texto longo mais uma vez e com muitas informações. Muitas delas nada explícitas. Mas se você chegou até aqui acredito que está no caminho certo. Você de fato é um interessado, um estudante. Você está atrás da informação e de sua própria formação. Mas lembre-se: o mais importante está dentro de você, como você sente, como você ouve, e depois como você devolve isso através da sua música. Música é uma linguagem, uma forma de expressão pela arte. Se você não sabe se expressar, não se comunica. Se não se comunica, não faz música, mesmo que toque algum instrumento. Inquietante isso, não é? Mas é verdade. Quem reproduz música é rádio! Nós criamos música.

E, para fechar, mais uma frase de Rilke:
“Obras de arte são de uma solidão infinita”.


FONTE: O Baterista

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